"Uma história de ninar, em que todos os detalhes eram importantes e precisavam ser acrescentados a cada vez, e isso com relutância convincente, timidez, risinho, que safada, que safada." Trecho do conto que dá título à Fugitiva, coletânea de narrativas de Alice Munro, essa frase, calculada e ao mesmo tempo natural, sincera, sem amarras, poderia representar bastante, como um objeto visto por lente de aumento, a prosa da autora canadense: histórias de ninar, cheias de detalhes pessoais e próprios de intimidades, de momentos em que se está livre do olhar de um terceiro.
Vencedora do Nobel de Literatura de 2013, Alice Munro apresenta em Fugitiva as obscuras e frágeis fundações de relacionamentos, de descobertas juvenis ou tardias, de enfrentamento ou aceitação de mistérios no universo feminino. As mulheres de Munro, e especialmente neste livro, se encontram em constante questionamento: a idade, o trágico e o belo de correr atrás de um homem que acaba-se de encontrar no trem, a insegurança e o desejo em forças opostas na relação entre marido e esposa.
A tradução, de Pedro Sette-Câmara, buscou preservar o estilo conciso de Munro, tipificado por um realismo cru, mas subjetivo e sugestivo. As frases, conhecidas por serem intercaladas de intervenções narrativas que deixam rastros ao longo da jornada, ganham um ritmo acertado em português. Períodos pontuados milimetricamente, acompanhados por uma câmera bem de perto. "Eric ganhava a vida pescando camarão, e há muito tempo fazia isso. Ele tinha sido aluno de medicina. Isso acabou porque ele fez um aborto numa amiga (não numa namorada)." Poucos autores hoje têm esse domínio e sabem usar parênteses como o exemplo citado.
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